O imbróglio do programa Mais Médicos do governo federal
vem causando, juntamente com outros tópicos quentes na política nacional, certa
comoção pública. Trata-se de mais uma tentativa para resolver alguns dos mais
persistentes problemas da saúde pública nacional: a falta de profissionais da
saúde em locais mais pobres e nos
rincões deste grande país, onde as condições de trabalho são, invariavelmente,
inóspitas.
Entretanto, a falta de médicos é um sintoma - o foco mais
visível de um problema estrutural – e não uma causa, o que indica que o
programa terá muitas barreiras para cumprir o objetivo – garantir saúde.
A situação nesses polos negativos da saúde pública, em
geral, advém de três fatores. Dois deles são obviedades ululantes, enquanto o
outro é um problema de proporções globais e pode ser verificado apenas com um
olhar mais estratégico.
Infelizmente, a escassez de recursos – fato básico da
vida humana, diriam os economistas – atinge de maneira mais virulenta as
localidades distantes dos grandes centros urbanos, o que inviabiliza
investimentos em instalações decentes e nos materiais mais básicos.
Em condições verdadeiramente improvisadas, é praticamente
impossível para qualquer médico, formado onde quer que seja conseguir
desempenhar o mínimo necessário para suas funções, colocando, assim, a vida de
uma comunidade inteira em risco. O mesmo ocorre nas periferias de metrópoles,
tão ou quase drasticamente atingidas pelo descaso público com a falta dos
aportes necessários.
Outro entrave é que, em boa parte das vezes, essas
localidades são palco do estado de natureza hobbesiano* redivivo: ali, a voz
mais forte comanda e a insegurança impera. É necessária uma dose de coragem
muito grande para que os médicos formados nas grandes universidades deixem seus
postos, onde atuam de maneira bem mais efetiva, para correr riscos e aceitar o
fato de que sua atuação, sem as condições mínimas de segurança e práticas
médicas ideais, pode vir a arriscar a vida de seus pacientes.
Esses dois tópicos, conjugados, materializam um paradoxo
imponente: os salários oferecidos em situações como essa já eram, antes do Mais
Médicos, de alguma forma atraentes, mas que nem assim ajudou a ocupar
devidamente os postos vagos.
O último ponto, quiçá o que mais consome recursos – que
estariam mais bem investidos nos tópicos apresentados anteriormente –, são os
resultados de estilos de vida que levam milhões de vidas ao caminho das doenças
crônicas, de tratamento caríssimo e que diminuem a produtividade da economia
nacional.
São prognósticos que poderiam ser evitados com a devida
prática de Gestão de Saúde Populacional (GSP), jargão que diz respeito à
promoção de comportamentos saudáveis com o devido acompanhamento especializado.
O conceito de GSP é simples e intuitivo. Ele propõe a
troca dos cuidados reativos (quando a doença já se instalou) pelos preventivos;
ele altera o padrão de visitas aos consultórios apenas em situação extrema por
um acompanhamento sazonal, rotineiro; e, por fim, tem por finalidade mudar os
comportamentos dos colaboradores com vistas a estilos de vida mais saudáveis.
O desafio é convencer a sociedade que se trata de um
investimento para a comunidade e não de um gasto. É um investimento na
modificação de comportamentos dos cidadãos, para que estes passem, por exemplo,
de sedentários com sobrepeso e como conseqüência, cronicamente doentes, para
indivíduos com estilos de vida mais saudáveis.
Pela camada mais superficial e aparente, o benefício mais
óbvio dessas práticas é a redução, no médio prazo, dos gastos com tratamentos,
já que será menor a utilização dos serviços médicos, o que costumamos chamar de
sinistralidade.
Já com o olhar mais atento ao gasto à margem, o
absenteísmo e o presenteísmo podem ser reduzidos drasticamente. Atualmente,
chega-se a gastar 2,3 vezes a mais com a improdutividade do que com o
tratamento direto. Enquanto melhoramos a qualidade do dia a dia dos
brasileiros, tornando o local de trabalho mais produtivo, atuamos
positivamente, e não apenas negativamente, como costuma ocorrer com
investimentos em saúde.
Resultados ótimos seriam atingidos apenas com a atenção a
todo esse cenário. Mas o fato é que essas soluções são de longuíssimo prazo e,
nas atuais condições, dependeriam de uma cooperação entre o governo e as entidades
privadas, assunto que, por si só, pode gerar muita discussão.
*Paulo Marcos Senra Souza é medico formado em 1974 na UFRJ –presidente da Asap
(Aliança para a Saúde Populacional)
*Texto divulgado pelo site UOL
http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/ciencia/2013/09/30/opiniao-de-olho-no-sintoma-e-nao-na-causa.htm